terça-feira, 29 de janeiro de 2013

SOBRE INCALCULABILIDADES E SURPRESAS



Sobre incalculabilidades e surpresas

Era seguro. Sabia aproveitar a vida. Teve tempo para escolher o futuro. Tinha agora um bom emprego, a oportunidade de conhecer cidades diferentes em seu país, mas não sabia o que era a saudade. A namorada, que o amava tanto, fonte de sua segurança, estava sempre a sua espera. Portanto, não precisava da saudade. O que amava era a liberdade. Ah... como amava a liberdade! Não entendia de barcos, mas sentia-se como um marinheiro: tinha a quem enviar cartas e um amor em cada porto. Conhecia muitas cidades em seu país. E sabia-se feliz assim. Só que se esqueceu do destino. Este, irmão mais novo do acaso, que vive pregando peças. E ele era seguro. Seguro de si, seguro das escolhas que fez e seguro, muito seguro de que não era desses, feitos para amar. Mas esqueceu-se, verdadeiramente, do destino. Que, por acaso, o pôs muitas vezes a voltar á cidade aonde chegou menino, recém-jogado á vida e saiu homem administrador de seu fado. E, por acaso, ali entrou em sintonia com uma bela. Acreditava, sem pretensões, ser mais um amor de porto. Travessuras do destino á parte, a cada vez que voltava á sua segunda cidade (a primeira era onde morava; a segunda, onde amava), feito onda de rádio, sintonizava- se à sua bela. Já a chamava de sua, já a apresentara aos velhos amigos do lugar onde amava, estava seguro. Não era desses, feitos para o sentimento. E sabia-se feliz assim. Principalmente por que previa que se os olhos não veem o coração não sente. Ainda tinha quem recebesse as suas cartas. Dizia a quem o caçoasse: “não duro mais um ano, ainda me verá casado com ela!" E como amava a liberdade! No entanto, não contava com o tempo. Este, que intensifica os sentimentos ou os dispersa, conforme a sua vontade.  Verdadeiramente, não contava.  Tanto que o tempo resolveu testar sua força. Não era seguro? Fê-lo apaixonar-se por sua bela. E ele, seguro, entregou-se ás delícias da paixão qual um adolescente. Não era desses.  Tinha o controle de seu fado. Era bom, sentir-se vivo. Sabia aproveitar a vida. E como era amado!
Ainda que tivesse se esquecido do destino, esse resolveu lembrá-lo de que, quanto mais alto o degrau, maior a queda. Achou que era muito amado, o invejoso destino. Resolveu tirar- lhe um pouco de amor, entregar a quem estivesse mais desprovido. Sabia que ele conhecia muitas cidades. Então, tirou de onde ele tinha mais amor, de onde mais lhe sobrava. Agiu. Quando sua bela ignorou- o, ele, controlador de sua sorte, sem sentimentalidades, amante da liberdade, enxergou-se com os olhos marejados. Sentiu seu coração partir. Ele, que tinha tanto medo do amor, tanto medo de sofrer por amor, que esquivou do amor o quanto pôde, viu-se apaixonado e com o coração partido. Não tem quem partilhe sua dor. Não pode perder a receptora de suas cartas. Já disse que irá se casar com ela. Não pode perdê-la. Acha que a ama. E, calado, implora para que o tempo decida o fazer esquecer de sua bela surpresa. Sabia: era bom, sentir-se vivo.


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